segunda-feira, 8 de junho de 2009

Reportagem da revista Época


09/04/2009 14:11
Quando os filhos ultrapassam os limites
Por que crianças e adolescentes que têm família estruturada e boas condições financeiras extrapolam os limites do mau comportamento – e o que fazer com eles
Francine Lima e Juliana Arini

Montagem sobre fotos Randy Faris/Corbis/Latin Stock e Shutterstock

Eduardo (alguns nomes nesta reportagem foram trocados para preservar a privacidade) faz 18 anos neste mês, mas ainda não terminou o 2º ano do ensino médio. Ele foi forçado a sair do colégio tradicional e caro em que estudou por 12 anos, em São Paulo, por causa de seu jeito rebelde e agressivo. “Acho que fui o pior aluno da história dessa escola”, diz, sem demonstrar arrependimento. Eduardo até sorri ao listar suas ousadias. Conta que distribuiu apelidos pejorativos e alguns sopapos por motivos fúteis, tumultuou aulas, discutiu com professores, humilhou colegas. “Uma vez, mijei na mala de um moleque.” Os porteiros da vizinhança também já foram alvos de sua malvadeza, na forma de palavrões e ovos. O que há com esse menino?

Depois da expulsão, pais de seus antigos colegas, num misto de raiva e alívio, telefonaram para a casa de Eduardo dizendo que ele tinha recebido o que merecia. Na versão do colégio, Eduardo não era o líder que imaginava ser. Era apenas um mau exemplo para os demais alunos. O regimento da instituição exige dedicação e disciplina. Além de desrespeitar professores e alunos, o garoto ia mal nas provas e se recusava a estudar. Já tinha repetido dois anos de curso e rumava para a terceira repetência. Então, numa reunião de conselheiros, a decisão foi tirá-lo de cena.

A versão de Marta, mãe de Eduardo, é um pouco diferente. “Ele é um bad boy, mas não é mau.” Ela vê o filho como um adolescente normal e queixa-se da decisão da escola. Diz que todo o dinheiro que investiu ali merecia uma atenção melhor. “Como ele pode não ter o perfil desse colégio se estudou lá a vida toda?” Marta sabe que o filho não faz o tipo estudioso. Queria que o colégio “de grife” mudasse isso. Talvez tenha posto muita ênfase na responsabilidade do colégio – e pouca na própria e na do menino.

O que chama a atenção em casos como o de Eduardo é a dificuldade em explicar sua conduta antissocial. Quando deparamos com notícias como a do menino de 12 anos detido em dezembro, em São Paulo, após ter roubado o nono carro em um ano, tendemos a concluir que ele é um fruto do ambiente em que vive: a pobreza, a falta de perspectivas, as más influências, a estrutura familiar precária. Essas explicações soam bem menos convincentes para entender Eduardo, um rapaz boa-pinta, que se expressa bem, tem uma família tradicional e recebe carinho, mesada, estudo.

Ele parece ter pouco a ganhar, e muito a perder, com seu desafio às regras. Assim como Thiago, um garoto de classe média alta que foi expulso de duas escolas após uma sequência de atos violentos contra colegas de turma (leia sua história). Assim como milhares de crianças e adolescentes indomáveis, no mundo todo, em lares que supostamente têm tudo para lhes fornecer uma boa educação (pai e mãe presentes, conforto material, uma boa escola).

Em seus vários matizes – da criança que grita com os pais aos jovens delinquentes –, a dificuldade de transmitir valores e hábitos saudáveis aos filhos se tornou onipresente. Vem daí o sucesso de programas de televisão como o Teen angels (Anjos adolescentes), criado em 2004 pela rede britânica BBC (levado ao ar no Brasil pelo Fantástico, da TV Globo), ou o americano Supernanny, da rede ABC, em sua quinta temporada (reproduzido no Brasil pelo SBT). A tônica desse tipo de programa é mostrar como se lida com um tipo de mau comportamento para o qual já não adiantam sermões, advertências e castigos. A necessidade crescente de orientação para pais também tem alimentado o mercado de livros de autoajuda com títulos que se propõem a dar receitas para educar os filhos.
Rogério Cassimiro
QUEM DEU AS COSTAS PRIMEIRO?
O “bad boy” Eduardo, no bairro onde mora, em São Paulo. A escola desistiu dele. A mãe diz que Eduardo é um adolescente normal. Ele afirma: “Fui me tornando bad boy aos poucos e não pretendo encerrar a carreira tão cedo”

Desde fevereiro, essa questão ocupa o horário nobre da televisão brasileira. Um dos personagens centrais da novela Caminho das Índias, de Glória Perez, na TV Globo, é Zeca, um jovem que já se envolveu em inúmeros conflitos com colegas e chegou a ser mandado para um juiz por sua agressividade. Na novela, a permissividade dos pais parece ser a grande causa do comportamento de Zeca (vivido pelo ator Duda Nagle). Bastou isso para que o blog de Glória Perez fosse invadido por uma briga entre pais e educadores – uns responsabilizando os outros pelos descaminhos do comportamento das crianças e adolescentes.

É provável que ambos tenham sua parcela de razão – e de culpa. O fenômeno dos meninos que fogem ao padrão de comportamento põe em xeque a forma como educamos as crianças hoje. A começar pelo papel dos pais e da escola, que anda meio confuso. Algumas décadas atrás, o modelo era claro: os pais falavam, os filhos ouviam; a escola ensinava, os alunos aprendiam. E a rebeldia era tratada com palmada. Hoje, a tônica é procurar o diálogo. Pode-se creditar essa mudança ao processo de democratização, que teria contaminado a dinâmica de poder na família. Ou à onda hippie, que influenciou tantos pais. Ou aos avanços da neurologia, pelas descobertas de que o aprendizado tem muito mais a ver com o prazer que com a disciplina. Ou à disseminação de conceitos da psicologia.
Novos estudos no campo genético sugerem que
a má-educação pode ser uma característica inata

Qualquer que seja a explicação, o fato é que raros pais, hoje, desejam assumir o papel ditatorial que era tão comum nos tempos de nossos avós. Nas escolas, seja por uma mudança cultural, seja pelas leis que protegem os direitos dos alunos, o processo é o mesmo. O problema é que, uma vez tomado o rumo do diálogo, não é mais só a vontade dos pais e professores que conta. E os filhos parecem nascer com uma capacidade de identificar pontos fracos para dobrar, driblar ou tripudiar sobre a autoridade.
Quantos alunos irrequietos há na classe de seu filho?
Segundo estudos nacionais, mais de 10% dos estudantes brasileiros apresentam alguma desordem psiquiátrica
5%
têm deficit de atenção e hiperatividade
2% a 3,5%
têm transtorno opositivo-desafiador
2% a 4%
têm transtornosde conduta

Para o professor de psicologia da USP Yves de La Taille, pais e filhos não se entendem porque vivemos uma crise de valores morais. “Os valores de hoje estão voltados para a competitividade, a fama, a beleza e a pressa.” Ele critica a família que apoia a valorização da competitividade em detrimento da ética e depois leva o filho ao psicólogo para consertar o estrago. “A única saída é educar moralmente, com base na generosidade, na justiça e no respeito.”

Além das falhas de educação, pesquisadores têm apontado outras explicações. Uma delas é a genética. Segundo o psiquiatra americano Jeffrey Burke, da Universidade de Pittsburgh, estudos recentes mostram que filhos de pais com algum transtorno comportamental têm mais chance de desenvolver o mesmo transtorno, independentemente do tipo de criação que recebam. Quer dizer: a tendência à má-educação pode ser uma característica inata.

Outro estudo citado por Burke, publicado no ano passado, mostra o mecanismo de construção do mau comportamento. Os pesquisadores observaram a relação entre as atitudes de crianças rebeldes e de seus pais. Quando as crianças desobedeciam, os pais costumavam reagir com fúria. Isso levava as crianças a ficar mais nervosas, desobedecer mais – e provocar respostas mais ríspidas. Trata-se de um ciclo vicioso. “Ao longo do tempo, a criança com problemas muda mais o comportamento dos pais que o oposto”, afirma Burke.
SAIBA MAIS

Outra explicação para o mau comportamento é médica. Na lista de possíveis causas da desobediência crônica estão o desequilíbrio hormonal, doenças associadas e uma infinidade de fatores de risco. Nos consultórios de psiquiatras, um dos diagnósticos mais comuns hoje é o transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Se uma criança é distraída e impulsiva, com baixo desempenho escolar, já é candidata ao diagnóstico. Segundo o IBGE, o TDAH afeta 5% da população brasileira. Segundo pesquisas internacionais, o transtorno aumenta em oito vezes o risco de o portador ser expulso da escola por indisciplina – e 40% dessas crianças abandonam os estudos. A origem do TDAH está em alterações na região frontal do cérebro, responsável pela inibição de comportamentos inadequados. Essas alterações reduzem a produção de dois neurotransmissores, a dopamina e a noradrelanima.

O deficit das duas substâncias químicas pode ser corrigido com medicamentos, mas muitas famílias resistem a tratar um filho com remédio de tarja preta. Foi o que aconteceu com um estudante americano de Maryland. Ele começou a nadar aos 7 anos, depois de ter sido diagnosticado com TDAH. Era muito agitado, não conseguia prestar atenção às aulas da escola e questionava tudo o que lhe diziam para fazer. A natação era uma forma de canalizar sua energia. Aos 11 anos, ele resolveu parar de tomar pílulas para controlar a hiperatividade – o medicamento era administrado na escola e o fazia sentir-se diferente dos outros. O menino acabou provando que era diferente mesmo: ganhou oito medalhas de ouro nas Olimpíadas de Pequim, no ano passado. Mas Michael Phelps não se livrou inteiramente do que sua mãe classificou como “decepcionante comportamento incomum”, num livro a ser lançado neste ano nos Estados Unidos. Ela se refere a sua prisão, em 2004, por dirigir embriagado e ao episódio em que foi filmado com um cigarro de maconha.

Segundo Iane Kestelman, psicóloga familiar e presidente da Associação Brasileira de Deficit de Atenção (ABDA), um portador do TDAH que não recebe tratamento na infância pode tornar-se um adulto mais propenso ao suicídio, ao abuso de drogas, a acidentes violentos com veículos e à gravidez precoce. “Se uma criança indisciplinada não recebe tratamento adequado e, pior, também é excluída do ensino, o caminho na vida adulta pode ser a marginalidade.”

Outra explicação médica para a desobediência crônica é o transtorno opositivo-desafiador (TOD). A criança com TOD é impulsiva, irritadiça, vingativa e rebelde. Quando faz algo de errado, tende a pôr a culpa nos outros. A causa é uma incógnita. A hipótese mais aceita é de uma predisposição genética. Alguns especialistas acreditam que o transtorno opositivo-desafiador, quando não tratado, pode evoluir na adolescência para um mais grave, chamado transtorno de conduta. É o nome oficial da delinquência.

Como saber se o mau comportamento é de fato um transtorno ou mera falta de educação? As fronteiras são pouco claras. Em alguns países, duvida-se até da existência do TOD. “Esse conceito é mais usado na Inglaterra e nos Estados Unidos. Na França, ele não é muito aceito”, diz o psiquiatra da infância Marcos Mercadante.

Os escassos estudos brasileiros na área de saúde mental infantil mostram que esses transtornos afetam algo entre 2% e 5% das crianças em idade escolar, em todas as classes sociais. O recém-criado Instituto Nacional da Psiquiatria do Desenvolvimento pretende conduzir uma série de estudos pelo Brasil a fim de detectar precocemente e tratar crianças que apresentem os sintomas e fatores de risco para os transtornos mentais mais comuns. O projeto tem uma verba de R$ 7 milhões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CPNq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Renato Rocha Miranda
MAU EXEMPLO
Zeca (Duda Nagle, de camisa vermelha) e sua turma de encrenqueiros na novela Caminho das Índias. O personagem provocou troca de acusações entre pais e educadores

Nada disso exclui a responsabilidade das famílias e das escolas. Pais e professores devem prestar atenção às birras das crianças e dar um jeito de domá-las. Na falta de manuais, cada um encontra seus mecanismos de defesa por tentativa e erro. Muito erro. Quando a criança se recusa a obedecer, o mais comum é partir para os berros e palmadas. O resultado, em geral, é uma criança ainda mais desafiadora. “Os pais comumente viram reféns do filho, e ele vira um pequeno ditador”, afirma a psicanalista infantil Anne Lise Scapatticci. A inversão de papéis seria uma consequência do despreparo dos pais para impor sua autoridade. A criança tem necessidade de ser guiada por regras, senão fica perdida. “Muitos dos casais que trazem seus filhos para a terapia não têm intimidade entre si e não decidem juntos o que querem que a criança aprenda.”

O mesmo problema é observado pela psicopedagoga Luciana Maria Caetano, autora de O conceito de obediência na relação pais e filhos. “A cada hora, os pais agem de um jeito, conforme as situações que aparecem. Não há coerência nas atitudes.” O sonho de Luciana é abrir uma escola para ensinar os pais a educar os filhos. Ela ensinaria aos adultos a maneira correta de falar com as crianças para ser obedecidos, mesmo quando existisse um transtorno de origem genética. Em tese, as regras seriam transmitidas e repetidas pelos pais aos filhos, sempre com calma, sem gritaria, sem reações emocionadas, sem barganha. Parece fácil? Se você achou isso, é porque não tem filhos...
Timothy Clary
EM HIPERATIVIDADE
O nadador Michael Phelps, durante as Olimpíadas de Pequim. Diagnosticado com TDAH, ele começou a nadar aos 7 anos para controlar sua agitação

Uma consequência dessa visão moderna de que não se pode mudar o comportamento da criança se os pais não mudarem é a proposta de terapia familiar. Praticamente todos os especialistas ouvidos para esta reportagem afirmam que os resultados são melhores quando os pais também aceitam que têm de mudar. Antes de partir para essa solução, é importante descobrir se a criança está reagindo emocionalmente a uma situação passageira, como a perda de um ente querido, o nascimento de um irmão ou a separação dos pais.

Em qualquer terapia, é crucial levar em conta as escolhas da criança ou adolescente. Eles só assumem determinados comportamentos porque enxergam vantagens neles. Eduardo diz que ser “bad boy” lhe traz amigos, garotas, respeito. Diz que nas poucas vezes em que foi “bonzinho” se deu mal, principalmente na parte afetiva. “Acho que não nasci bad boy, só fui me tornando cada vez mais... E não pretendo abandonar a carreira tão cedo. Hahaha!” Um dos principais desafios é romper a sensação de recompensa do mau comportamento (seja a atenção recebida dos pais, seja o status, real ou imaginário, de líder, seja a sensação de que os investimentos psicológicos de longo prazo não valem a pena).

Algumas escolas têm adotado posturas criativas para lidar com crianças-problema. Uma estratégia são os comitês internos, assembleias de classe em que os alunos debatem as situações que os incomodam e refletem sobre as consequências de sua conduta. “Isso ajuda a reduzir o nível de tensão e mostra que a vida em sociedade precisa também de regras e deveres”, diz Lady Christina Sabadelly, coordenadora de ensino do Colégio Pueri Domus, de São Paulo. “Em 90% dos casos, conseguimos reintegrar até os alunos mais rebeldes.” Há punições estabelecidas pelo grupo. Por decisão da assembleia, uma aluna teve de pintar as paredes do banheiro para cobrir as ofensas que havia pichado contra uma colega. “Conversamos muito com a garota e a família, e o problema foi resolvido. Ela nunca mais teve nenhum tipo de conduta agressiva.”
Rogério Cassimiro
INTEGRAÇÃO
As educadoras Andreia e Elizabeth entre alunos hiperativos do colégio Winnicott (acima) e Thiago, no Nane. As duas escolas apostam em turmas reduzidas e orientação à família
Rogério Cassimiro

Em geral, as escolas colocam um limite para sua responsabilidade nessa educação moral. Lauro Spaggiari, diretor-pedagógico do quase centenário Colégio Dante Alighieri, de São Paulo, diz que alunos com problemas sérios de comportamento são raros, mas já teve de recusar a rematrícula de alguns. Isso pode ficar mais difícil no futuro próximo. O Ministério da Educação está para assinar uma portaria que orientará as escolas a incluir alunos com transtornos de aprendizagem, exatamente como fazem com os estudantes com deficiência visual ou auditiva. Com base nessa portaria, ficará mais fácil para as famílias contestar a expulsão de um filho.

Algumas escolas que se especializaram em receber alunos difíceis têm práticas que podem servir de exemplo. “Muitos de nossos alunos já passaram por mais de uma escola, foram expulsos ou classificados como incapazes de aprender”, diz Suely Palmieri Robusti, diretora do colégio Novo Ângulo Novo Esquema (Nane). Eles chegam com a autoestima abalada, estigmatizados por tantos anos como crianças problemáticas. Mas têm condições de se recuperar. “Todo mundo pode apreender, mesmo que demore um pouco mais.”

No Nane, os melhores professores são os considerados mais criativos, maleáveis e capazes de cativar o aluno. A relação com a família também muda. A estratégia da educadora é estabelecer um trato com os pais e o aluno: a criança só volta ao convívio coletivo depois de melhorar sua conduta. “Se eu disser que o aluno deve fazer lições em casa e a mãe, em vez de seguir minhas indicações, levar o menino ao shopping, ela estraga todo o processo.”

No colégio Winnicott, que tem uma proposta semelhante à do Nane, a reação dos educadores diante de um aluno descontrolado nunca é improvisada. “Quando vejo que o aluno chegou à escola de cara amarrada, já vou conversar com ele para saber o que aconteceu em casa antes de ele vir”, diz a orientadora educacional Andreia Balestrero. “Assim, já aviso a professora e todos ficamos alertas para o comportamento dele durante a aula.” Ouvir a família é a segunda parte do processo. Em alguns casos, o psicólogo e outros eventuais profissionais que cuidam do aluno também são chamados para a conversa. Várias conversas. Em reuniões frequentes, todos expõem suas dificuldades e buscam juntos uma estratégia. A diretora do Winnicott, Elizabeth Polity, que é também terapeuta familiar e autora de livros sobre problemas de aprendizagem, afirma que o sistema só funciona quando, em vez de um empurrar o problema para o outro, todos falam a mesma língua. “Se percebo que os pais estão perdidos, precisando de orientação, propomos que também entrem na terapia.”
Não adianta tratar somente a criança. Os resultados
são melhores quando a família toda entra na terapia

Essa integração fez a diferença na vida de Beto, aluno do Winnicott há sete anos. Ele chegou ali aos 12 anos, depois de mudar de escola seis vezes e ficar marcado como um aluno de “pavio curto”. Toda vez que acontecia alguma coisa chata, não suportava a frustração e quebrava tudo. Literalmente. Mesmo no Winnicott, quebrou uma janela ao lançar seu material contra o vidro num acesso de raiva. Seu pai, Arnaldo, fez até pós-graduação em pedagogia em busca de respostas. Com as reuniões no novo colégio, aprendeu que não podia conter os surtos de Beto com mais agressividade. “O castigo é uma forma forte de atenção. E o que as outras escolas mais faziam era castigar meu filho.” Hoje, Beto está com 19 anos. Já faz dois anos que não vai à terapia e sente-se bem em sua turma de alunos especiais. Já não acha que é diferente de todo mundo.

“Meu filho não é um marginal”

Como uma família conseguiu superar os problemas de indisciplina e domar o filho adolescente considerado incorrigível pelas escolas

Durante uma discussão de alunos da 7ª série, Thiago teve uma reação que chocou a todos na escola. Ele atravessou a mão do colega com um compasso, um instrumento de desenho usado em aulas de geometria. O episódio resultou na expulsão de Thiago. Queixas sobre seu mau comportamento e impulsividade já eram frequentes. Dois anos depois, o rapaz foi novamente “convidado a se retirar” de um colégio. Dessa vez, Thiago usou um estilete para ameaçar um estudante. As causas dessa violência têm explicações vagas. “Eu não ia com a cara deles”, diz o adolescente, de forma lacônica.

Thiago está na quarta escola. Aos 16 anos, coleciona centenas de advertências. “Eu tinha uma caixa de sapato cheia de bilhetes da coordenação que eu nunca entreguei.” Márcia, a mãe, se surpreende. “Como assim, escondeu?! Tinha mais?”

Os pais passaram quatro anos sem entender o comportamento do filho. A família apelava para broncas, castigos, até algumas surras. A repressão deixava Thiago mais agressivo. No auge dos conflitos, o pai o colocou para trabalhar em um lava a jato. “Eu queria mostrar que, se ele não estudasse, esse era o emprego que ia conseguir”, diz Pedro, o pai.

Thiago está fora do perfil de criança excluída que se envolve em brigas por problemas sociais. Ele mora em um condomínio luxuoso, os pais têm empregos bem remunerados e vivem um casamento estável. A família discute o problema do filho de forma aberta. Os pais o levaram a quatro psicólogos, na tentativa de entender por que Thiago agia daquela forma. Ao final dessa peregrinação, ele foi diagnosticado como portador do transtorno de deficit de atenção (TDAH), uma alteração no cérebro que influencia na capacidade de prestar atenção, ter memória, autocontrole, organização e planejamento. Estudos sugerem que cerca de 40% dos portadores de TDAH não terminam os estudos.

O diagnóstico não impediu a segunda expulsão. “A escola sabia que ele tinha TDAH e tomava medicação, mas mesmo assim continuaram a tratá-lo apenas como uma pessoa má”, diz a mãe. Além da expulsão, a direção do colégio fez uma denúncia ao Conselho Tutelar. Uma assistente social advertiu que Thiago poderia ir parar na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, a Febem (atual Fundação Casa). “Transformaram meu filho em um marginal”, diz Pedro. Os pais decidiram buscar um colégio especializado em problemas de aprendizado.

Hoje, Thiago não é mais protagonista de episódios violentos. Ele está concluindo o ensino médio e faz planos para o vestibular. “Quero estudar robótica, vou fazer um robô para trabalhar para a minha mãe”, diz, enquanto abraça Márcia. Em casa, as discussões sobre brigas e agressões acabaram. Os conflitos ainda existem, mas são sobre questões comuns, como o dever de casa e as horas na internet. Para a família, a transformação ocorreu por dois fatores: os anos de terapia e a descoberta de uma escola especializada em problemas de comportamento. “Antes, eu tinha vergonha de ir às reuniões de pais, pois meu filho era tido como um problema sem solução. Falam tanto de inclusão, mas pessoas como Thiago ainda são rotuladas como inadequadas e descartadas”, diz Márcia.

É só “arte” ou transtorno?

O mau comportamento tem diferentes graus. Verifique se a solução é uma bronca ou a intervenção de profissionais
Expectativa exagerada
ilustração: Nilson Cardoso O PROBLEMA
Regras rígidas e exigências acima da média podem gerar nos adultos a expectativa irrealista de que a criança ou o jovem se comportem impecavelmente

O QUE FAZER
Avalie se o que está sendo imposto condiz com as necessidades e os valores reais da sociedade
Problema transitório
ilustração: Nilson Cardoso O PROBLEMA
Agressividade e comportamento antissocial podem ser reações emocionais a uma situação estressante, como o nascimento de um irmão, a morte de um parente ou a separação dos pais

O QUE FAZER
Busque com a escola e com uma psicóloga a melhor maneira de ajudar a criança a lidar com os sentimentos decorrentes da nova situação e a recuperar a normalidade
Comportamento inadequado constante
ilustração: Nilson Cardoso

O PROBLEMA
Hostilidade, negativismo, atitude desafiadora e desobediência a normas claras, quando se tornam um padrão no comportamento da criança (por mais de seis meses), são sintomas de um quadro mais sério

O QUE FAZER
Procure orientação psicológica para toda a família. Aprender a lidar com uma criança problemática é fundamental para minimizar o problema. A ajuda de um psiquiatra pode se tornar necessária

Como adestrar seu filho

Os conselhos servem para qualquer situação, não só para crianças-problema. São fáceis de entender – mas infelizmente não tão simples de aplicar
ilustração: Nilson Cardoso Os pais erram quando...
1. Supervisionam parcamente o que os filhos fazem
2. São pouco claros ou incoerentes na hora de impor regras
3. Mãe e pai discordam sobre o que o filho pode ou não pode fazer
4. Repelem a criança
5. Não participam ativamente das atividades do filho
6. Dão mais atenção à criança quando ela se comporta mal ou dá chilique do que quando age positivamente
7. Caem na armadilha da birra da criança e discutem sobre o cumprimento das regras
8. Ficam bravos, gritam e batem no filho quando ele desobedece
9. Dão carinho junto com o sermão

ilustração: Nilson Cardoso ...e acertam quando
1. Falam com calma e consistência o que a criança deve fazer ou o que se espera dela
2. Deixam claro que a criança não vai conseguir desviá-los de seu foco na conversa
3. Convencem o filho de que as regras não vão mudar por causa do comportamento dele
4. Informam ao filho quais serão as consequências desse mau comportamento
5. Estipulam punições proporcionais aos atos desobedientes e relacionadas à regra descumprida

A explicação da medicina

Os problemas psiquiátricos mais comuns associados à indisciplina:
Revista Época
Transtorno do deficit de atenção e hiperatividade (TDAH)
(ou Distúrbio do Deficit de Atenção – DDA)
O TDAH é uma doença de origem genética, que pode vir ou não associada à hiperatividade. Pode aparecer antes dos 3 anos de idade. Deve-se investigar se a criança sofre disso quando ela se comporta por mais de seis meses assim:

* responde de forma precipitada antes de as perguntas serem concluídas
* fala em excesso
* distrai-se com estímulos externos, como conversas paralelas
* comete erros por descuido nos trabalhos da escola, mesmo sabendo as respostas certas
* distrai-se facilmente, mas fica superconcentrada quando o assunto lhe interessa, como televisão e videogames
* parece não ouvir quando alguém lhe fala diretamente
* perde objetos com frequência
* tem dificuldade em brincar de forma calma
* não consegue ficar sentada ou quieta
* corre de um lado para outro e sobe nos móveis, mesmo na casa dos outros



Revista Época
Transtorno opositivo-desafiador (TOD)
(ou transtorno desafiador de oposição)
Manifesta-se antes dos 6 anos de idade. Suspeita-se que, se não tratado, progrida para o transtorno de conduta na adolescência. Observe se a criança:

* perde a paciência toda hora
* vive discutindo com os adultos
* recusa-se a obedecer a regras e desafia os adultos
* perturba pessoas deliberadamente
* faz coisas erradas e põe a culpa nos outros
* sente raiva e se ressente constantemente
* age com rancor e é vingativa
* mantém esse comportamento por mais de seis meses
* sofre prejuízos sociais e acadêmicos com esse comportamento



Revista Época
Transtorno de conduta
É mais comum em meninos com mais de 12 anos. Eles violam regras sociais importantes para sua idade. Preocupe-se se pelo menos três dos comportamentos abaixo se repetirem por mais de um ano:

* provoca, ameaça ou intimida os outros com frequência
* mete-se em brigas corporais frequentes e já usou algum tipo de arma para machucar gravemente
* comete crueldade física com animais ou pessoas
* roubou, tendo contato direto com a vítima
* estuprou
* causou incêndio de propósito, para provocar grandes danos
* cometeu ato de vandalismo
* arrombou propriedade alheia
* mente com frequência para obter vantagens
* fica na rua até bem mais tarde que o autorizado pelos pais
* já fugiu de casa pelo menos duas vezes
* mata aulas na escola com frequência, e isso começou antes dos 13 anos
* tem claros prejuízos acadêmicos e sociais por causa disso

9 comentários:

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